2 de fev. de 2010

sarau é vento

    Aconteceu mais um evento na Praça da Estação nesse último domingo (31/01/10-19:00). Foi um sarau, que pela própria realização já põe por terra vários sentidos atribuídos a esse termo, a um evento desse tipo.
    Primeiro sentido, a definição de dicionário. De que sarau seria um evento particular, na casa de alguém.
    Segundo, de que sarau seria um evento puramente cultural. Este foi um questionamento - desobediência - de um decreto do prefeito de BH que proíbe "a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação, nesta capital". Esse fato, e suas repercussões, já estão sendo amplamente difundidas pelas mídias mainstream e alternativas. Mais informações podem ser encontradas aqui.
    Terceiro, o senso comum de que sarau seria algo realizado por e para intelectuais, artistas. Essa imagem de um evento elitizado, onde as raras oportunidades de alguém comum ser ouvido são uma idéia intimidante e desconfortável. Microfones, palcos, olhares, livros, mais livros, platéia e artistas hierarquizam algo tão simples como reunir para trocar poesia. Isso é causa de muitas experiências constrangedoras e até humilhantes de pessoas tímidas ou simplesmente não aceitas ou consideradas ignorantes, indesejáveis pelos organizadores. Aqueles, excluídos do restrito círculo considerado produtor de cultura-arte, estariam condenados à condição de público - passivo.
    Mais significativas que as situações nocivas que acontecem são as que deixam de acontecer devido a tal estrutura. Em Belo Horizonte são muito escassos os espaços de troca literária. E os que existem são restritos e fechados em algum sentido. Pode-se enlouquecer imaginando quantos encontros e trabalhos e trocas deixam de acontecer...
    Uma rara, senão a única, exceção era o Sarau Urbano que aconteceu por pouco mais de um ano na Praça da Liberdade até definhar por falta de gente. Por mais que os saraus fossem abertos, horizontais e autogeridos, uma característica deles era de serem encontros principalmente de um determinado círculo de amizades. Naturalmente os interesses, disponibilidades e até amizades se dispersam. Isso ajuda a entender este final e a contrastar com o novo espaço aberto, na outra praça.
    O sarau de domingo foi um evento específico, ainda recente. Foi divulgado em vários círculos e canais. Dos resultados interessantes disso, a variedade de tipos (e origens e intenções) sentados em círculo num espaço público comumente ocupado apenas como passagem. Encontros empolgantes aconteceram, textos inéditos de qualidade foram lidos e ouvidos, amizades e contatos se firmaram. Não foi preciso microfone nem palco nem nenhuma aura de arte para cerca de 30 pessoas se ouvirem. Mesmo os mais receosos de uma reunião hierarquizada ou frustrada saíram de lá sorrindo e com vontade de mais.
    Isso abre caminho para a reconstrução do significado do termo sarau. Independente da frequência ou da efemeridade ou de uma possível periodicidade desse novo tipo de evento, sarau é vento. Por que não significar por poesia? Se soa menos limitante que um decreto. As metáforas do movimento, da multipresença, do anonimato, da mudança, do natural são apenas começo para a (re)identificação do sarau. E dado o contexto específico, o trocadilho foi inevitável...
    Houve o desejo de um novo encontro na Praça da Estação. Maiores detalhes em breve também serão encontradas aqui.
    É claro que isso é apenas mais uma entre as muitas formas de ocupação da praça e da cidade. Essa ação não exclui de forma nenhuma a necessidade de outras, de caráter ainda mais provocativo. Um decreto como esse deve ser combatido e derrubado junto com a política higienizante e excludente em que ele se apoia eque ele afirma. Entender a eficácia limitada de manifestações isoladas como a Praia e este sarau é fundamental para não cair numa esquizofrenia cômoda. Nada tira a legitimidade desses eventos, mas só a soma de suas insistências é capaz de resistir. Ocupar é imediatamente necessário. Surpreender é vitalmente tático.

texto originalmente publicado em Praça Livre BH

2 comentários:

Epaminondas Bukowski disse...

Amizades que dispersam... Gostei desta frase.

Enfim... Nem sei como eu me portaria se me atravesse a ir a algum tipo de sarau - convencional ou não. Talvez por timidez, talvez por ignorância... Postura política, quem sabe...

"E Viva o Amarante! E Viva o Balalo!"

Epaminondas Bukowski disse...

Amizades que dispersam... Gostei desta frase.

Enfim... Nem sei como eu me portaria se me atravesse a ir a algum tipo de sarau - convencional ou não. Talvez por timidez, talvez por ignorância... Postura política, quem sabe...

"E Viva o Amarante! E Viva o Balalo!"